Por que a representação muçulmana no cinema e na TV é importante
Assisti ao documentário An Act Of Worship, dirigido pelo cineasta muçulmano Nausheen Dadabhoy, em uma exibição intimista em Londres. Durante duas horas, o público e eu fomos confrontados com os últimos 30 anos da vida muçulmana nos Estados Unidos, marcados pela primeira Guerra do Golfo e a proibição da entrada de muçulmanos no país por Trump. Ouvimos uma mulher relembrar seu tempo na escola primária, quando era insultada no parquinho por causa do seu vestido tradicional paquistanês. Diversas famílias afetadas pelas proibições de viagens descrevem a frustração e a dor da separação. Ouvimos também as palavras de um pai que, por questões de imigração, não pôde ir ao casamento da filha.
Essas histórias não são únicas nem desconhecidas; como muçulmana na América, cresci ouvindo sobre experiências semelhantes na minha comunidade. Mas ver tudo isso se desenrolar na tela de cinema foi surreal, demonstrando a abrangência sistêmica e nacional do problema. De acordo com uma pesquisa do Institute for Social Policy and Understanding, 62% dos muçulmanos nos EUA sofrem discriminação religiosa no dia a dia. As razões para a discriminação são complexas e motivadas por anos de racismo sistêmico, mas também exacerbadas pelas imagens nocivas exibidas na TV.
Como gerente de programa do Pillars Fund, uma organização sem fins lucrativos com sede nos Estados Unidos que apoia líderes e artistas muçulmanos, vejo essa realidade todos os dias. Em 2019, já sabíamos por experiência própria que os muçulmanos eram subestimados e deturpados na mídia, mas não havia dados concretos para nos ajudar a lutar por mudanças. Por isso, nossa equipe fez uma parceria com a Fundação Ford e o ator e produtor britânico Riz Ahmed para apoiar dois estudos da USC Annenberg Inclusion Initiative. A pesquisa avaliou a representação de personagens muçulmanos em grandes filmes e séries de TV de 2017 a 2019 nos EUA, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia.
Embora não surpreendentes, os resultados são sombrios. A ausência na tela é significativa: apenas 1% dos personagens com falas em séries de TV são muçulmanos, apesar de representarem quase um quarto da população mundial. Quando presentes, os personagens costumam estar ligados à violência. Nos filmes, 30% dos personagens muçulmanos são retratados como perpetradores de violência; na TV, 12% deles morrem violentamente nos três primeiros episódios. Esses estereótipos também se estendem à raça. Dois terços dos personagens muçulmanos no cinema são do Oriente Médio e Norte da África, embora os muçulmanos venham de diversos países e etnias.
A qualidade dos personagens não tem a ver somente com representação. Essas representações têm um impacto enorme sobre como as pessoas do mundo se sentem em relação aos muçulmanos e como nos sentimos sobre nós mesmos. A pesquisa mostrou que os muçulmanos são mais propensos a tentar o suicídio nos EUA e apresentam índices de depressão e ansiedade mais altos do que a população em geral no Reino Unido. As implicações na saúde mental geralmente são resultados do sentimento de ostracismo e da discriminação na vida diária, e se estendem à criação de políticas externas e internas adversas.
Então, como desenvolvemos retratos mais fiéis e expansivos para as futuras gerações? Em primeiro lugar, apoiando artistas muçulmanos como Nausheen Dadabhoy, que querem contar histórias autênticas e estimulantes. Nossa Pillars Artist Fellowship oferece a novos diretores e roteiristas muçulmanos residentes nos EUA e no Reino Unido uma doação de US$ 25.000, orientação personalizada e uma oportunidade de contar histórias fora do viés antimuçulmano. Também convidamos líderes, financiadores e artistas do setor para se juntarem a nós nesse movimento, seja através de apoio financeiro ou simplesmente aprendendo para gerar uma mudança sistemática. O guia Blueprint for Muslim Inclusion ajuda estúdios, agências de talentos e outros parceiros a apoiar criativos muçulmanos e evitar estereótipos nocivos. Os líderes da indústria podem tomar uma atitude simples e transformadora participando do Muslim Visibility Challenge: um compromisso para remover estereótipos terroristas de futuros conteúdos e contratar pelo menos um criador muçulmano no papel de storyteller.
Aya Nimer é gerente de programa do Pillars Fund, onde desenvolve programas de mudança cultural que promovem a missão da Pillars de transformar a narrativa muçulmana nos EUA